Uma oração que se baseia no passado e se fecha sobre o presente, sem dúvida, seria uma oração incompleta e não teria o vento suave e agitador do futuro. Somos acostumados a olhar o amanhã como a transformação da semente lançada rapidamente no fugaz presente que nos é dado. Estando em oração, veio-me uma idéia que pode até ser considerada “estranha, estúpida e rara”: o passado não existe.
Alguém poderá objetar: “Como o passado não existe?” Ele está aí, diante de nós como memória, lembrança, momento que nos atormenta ou estimula a sermos agradecidos. Mas o passado não é outra coisa que acúmulo de tantos momentos presentes que se foram para jamais voltar.
No mesmo instante em que acreditamos estar no presente, nos encontramos já jogados no passado, que não é outra coisa senão o presente que passa. É, portanto, preciso viver o presente dando-lhe o valor do eterno… É no aqui e agora, rápido e fugaz como a onda do mar que no mesmo instante que vem já se foi, ou a brisa que não se pode captar. O presente é uma janela que se abre ao futuro, que nos estimula e convida a não perder de vista o amanhã. Somente quando chegarmos à eternidade estaremos dinamicamente parados no presente, contemplando para sempre o amor de Deus que não foi, nem será, mas é.
Sim, porque eterno é seu amor! Como é forte no nosso coração esta convicção do presente de Deus em nossa vida! Um presente que, ultrapassando todas as limitações do tempo e do espaço, faz-nos sentir que somos chamados a viver com uma dimensão de eternidade o nosso tempo, sacramento que nos é dado viver.
O futuro
O futuro nos atemoriza, lança-nos na insegurança e na incerteza. Precisamos que alguém, em quem confiamos, diga-nos uma palavra de coragem e de ânimo.
Ao mesmo tempo, desejamos que algo de novo aconteça na nossa vida. Jesus mesmo nos oferece o salmo do futuro, a oração do amanhã: as bem-aventuranças. A palavra “bem-aventurança” quer dizer “um bem que ainda não chegou, mas chegará” e se fará presente em nós.
Rezar é saber acolher na fé o nosso futuro, é crer que a força da Palavra de Deus irá se realizar em nós. Crer é amar alguém. O amor e a amizade são dons vividos somente relembrando o passado e o presente, e principalmente contemplando o amanhã que, com sua incerteza, tenta nos amedrontar. Mas, baseados na certeza da Palavra de Deus, iremos adiante, aconteça o que acontecer.
Lancemos ainda um olhar sobre Maria, e dela aprendamos a rezar contemplando o futuro.
“Conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás Jesus” (Lc 1,31).
Lancemos ainda um olhar sobre Maria, e dela aprendamos a rezar contemplando o futuro.
“Conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás Jesus” (Lc 1,31).
Estes três verbos, conjugados no futuro, são como uma luz que clareia a noite escura da Virgem Maria. Ela sente-se revigorada na sua fé e assume o projeto de Deus sem, provavelmente, compreendê-lo na sua plenitude e totalidade. O que importa, está claro, é que ela quer fazer a vontade de Deus. Quer ser um “sim” perenemente, sem meias medidas e sem meio-termo. A primeira atitude do anjo é confiar-lhe o grande segredo, que será sempre incompreensível para a inteligência humana e ninguém poderá compreendê-lo a não ser pelos olhos da fé e do amor.
Conceberás:
Somos todos chamados a conceber a vida. Uma vida que não é fruto do nosso trabalho nem do trabalho humano, mas é dom de Deus. Maria é grande porque concebe pela inteligência, pelo amor, pela fé, e faz que isto se torne vida nela e que esta vida seja doada aos outros em plenitude. Não fomos chamados para ser “estéreis”, mas fecundos.
O nosso mundo se faz cada vez mais estéril, cheio de palavras vazias, que não traduzem o que significam. Palavras enganadoras que nos embalam os olhos e impedem de realizar o nosso projeto de amor.
O nosso mundo se faz cada vez mais estéril, cheio de palavras vazias, que não traduzem o que significam. Palavras enganadoras que nos embalam os olhos e impedem de realizar o nosso projeto de amor.
Conceber é se abrir totalmente à ação do outro. Ninguém concebe por si mesmo e a si mesmo. A concepção é o encontro de duas vontades de gerar a vida: a vontade de Deus, que chama, e a vontade do ser humano, que responde o seu “sim”. Na nossa oração silenciosa é importante nos interrogar: o que sou chamado a conceber? Como me deixo fecundar pela ação de Deus? Ou vivo a resistência do egoísmo e do orgulho que me impedem de ser gerador de vida nova?
Darás à luz:
O anjo relembra a Maria que é insuficiente conceber, é necessário dar à luz. Todo projeto que concebemos mas não damos à luz é aborto. Hoje é comum encontrar concepções de tantos projetos maravilhosos mas que, não raramente, ficam no papel, na mente, e não são realizados, não vêm à luz.
Há em nós o medo do futuro, do incompreensível. Há muitas pessoas que concebem o projeto de rezar, de fundar uma comunidade, de entrar numa comunidade, de ajudar a custear obras de evangelização… concebem, mas não dão à luz. São abortos atrás de abortos que matam a vida no seu nascer. Maria concebe e dá à luz.
Dante Alighieri, poeta italiano, autor da “Divina Comédia”, diz que o inferno está ladrilhado de bons propósitos não realizados. O cristão é alguém que concebe e dá à luz, com todas as dores de parto, que são perdas, separações… É preciso separar-se de tudo o que não é Deus para sermos só e exclusivamente dele.
E o chamarás Jesus:
É sumamente interessante a presença destes três verbos que o evangelista Lucas nos oferece no seu Evangelho. Não é suficiente conceber e dar à luz… é necessário dar o nome, que quer dizer “assumir a maternidade e a paternidade” do que fazemos. Não fugir das nossas responsabilidades.
Na Bíblia, dar o nome, chamar pelo nome ou revelar o nome é conhecer intimamente alguém. Não são os homens que escolhem o nome, mas Deus.
Na oração é que concebemos a vida, damos à luz e damos o nome ao que fazemos. Assumimos a nossa parte de responsabilidade e de vida.
Com Maria de Nazaré temos aprendido que a nossa vida se projeta no futuro da história e, num gesto de fé inabalável, devemos aceitar desde já o que acontecer amanhã. Por isso, é muito bom todos os dias oferecer ao Senhor tudo o que faremos, tudo o que diremos, tudo o que seremos e tudo que irá nos acontecer. Queremos acolher o futuro na fé, como dom do amor de Deus; às vezes incompreensível, mas sempre amor.
Colaboração
Frei Patrício Sciadini, OCD
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